terça-feira, 13 de outubro de 2009

O fantasma do concreto por Renan Flud

Notamos suas expressões de angústia, seus ares de desolação pelas ruas, nos prédios abandonados e viadutos. Nas cidades cheias de gente e vazias de emoção. Notamos tristeza ou sintomas de um quadro avançado de depressão. Alguns nos surpreendem com um brilho no olhar, uma alegria fugaz, certo fogo que não se sabe de onde emana.
Largados ao esquecimento, ignorados, como se suas histórias não tivessem valor algum. São filhos abandonados, mães ou pais desprezados, viciados cujos familiares desistiram de lhes ajudar, ou não puderam salvar.
Assim como todos nós, eles buscam seu caminho, tentam encontrar algum sentido nesse oceano de caos.
Na cinzenta manhã, enquanto os carros passavam apressados e a fria garoa caia, um deles observa sentado no meio fio.
Que pensamentos passariam por ali? Que lembranças teria? Em que ainda creditava?
Movido apenas por uma coisa dentro de si, que ele nunca perguntou o que seria, caminha em inércia pelas ruas. Não está acostumado a andar entre as outras pessoas durante a luz do dia. É como se ele fosse uma espécie diferente, alguém que não pertencesse no meio das pessoas comuns, por algumas vezes fizeram questão de mostrar que ele não pertencia. Ser expulso era uma das memórias mais doloridas.
Havia decidido, há muitos anos, que dormiria durante o dia e passaria a noite acordado, procurando uma maneira de sobreviver. A noite não pertence a ninguém, ouvira uma vez de outro excluído, assustado, dormia mais tranqüilo durante o dia, apesar do barulho. O barulho na verdade servia como proteção, significava movimento, vida.
Muitas vezes, ouvira de outros desconhecidos histórias de outros como ele, que eram espancados ou queimados enquanto dormiam.
No silêncio assustador de cada madrugada ele vagava, mas não naquele dia. Havia dormido a noite toda e agora sem sono nenhum andava cortando a luz quase de forma invisível pelos que passavam.
Uma sensação estranha dominava seu peito, não era angústia, ele não sabia o que era.
Fazia muito tempo que ele não andava no meio das pessoas durante o dia, uma insegurança quase infantil começava a dominá-lo, enquanto uma sensação de invisibilidade lampejava cada vez que cruzava com outra pessoa. Ninguém me olha diretamente pensou. Será que sou realmente invisível?
Seu coração começava a bater mais rápido, e a cada olhar que não era correspondido, seu batimento disparava. Cada tentativa de se comunicar sem palavras, era completamente ignorado por quem passava.
Não se importava mais com a garoa, com a luz, com o barulho e com as pessoas que passavam. Parado, quase paralisado pela sensação de choro que o havia surpreendido. Ficou, por sabe se lá, quanto tempo sem se mexer, sua cabeça rodava.
- Quanto tempo fiquei sem ver o dia? Perguntava-se.
A noite iria demorar muito tempo para voltar, e dominado completamente pelo desespero se levantou, cambaleante deu alguns passos para frente e agarrou a primeira pessoa que viu.
O homem que havia sido agarrado pelo ombro apenas ouviu: - Você pode me ver?
Assustado, seu olhar aterrorizado cruzou o do mendigo por apenas um instante e logo ele voltou a olhar pra baixo, enquanto se livrava das mãos que o agarravam e continuava a andar apressado.
O mendigo então entendeu, ele não havia se tornado invisível, ele havia se tornado um fantasma.

Nenhum comentário: